sexta-feira, agosto 24, 2007

 

O Nada Morto

Esta é a história do homem que não sabia nadar. De um homem não nadante em terras – e em águas – de exímios nadadores. Vejam lá: como poderia ele desenvencilhar-se?!
Mas todos o queriam ajudar. Lá isso é verdade. Não desejavam que se afundasse, já que, no fundo, até gostavam dele.
Este senhor era boa pessoa, sempre amigo do seu amigo, sempre solícito, sempre de sorriso de orelha a orelha; um cavalheiro. Só não havia meio de aprender a nadar. E o facto era lamentado publicamente.
Geralmente davam-lhe lições teóricas, aqui e ali, sobre, por exemplo, como se poderia começar por aprender a boiar, ensinando-lhe certas terminologias técnicas como a do “corpo morto”.
E verdade verdadinha é que a nossa personagem nunca chegou sequer a boiar, a matar o corpo para o acto, penso que mais por alergia intelectual a estes termos e a estas posturas do que, propriamente, por qualquer incapacidade física para o fazer.
Este homem tinha um pensamento sobre as coisas que, às vezes, parecia bloquear-lhe o exercício de certas práticas como as prosaicas práticas de boiar ou de nadar.
É também verdade, e temos de o registar, que os modelos de nadadores apontados e copiados por aquela população insular eram os dos polvos e das lulas, também das alforrecas, dos chocos e de outros membros desta família sem esqueleto.
-Vês? Começas por boiar. – E apontaram-lhe, um dia, uma alforreca.
Mas o nosso ignorante em matéria de natação preferia o paradigma flutuante do peixe imperador, do badejo ou do peixe-espada; e despedia normalmente os seus professores informais com estas palavras: Eu julgo que nunca nadarei senão como aqueles que têm espinha como eu.

fernando martins

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