terça-feira, abril 29, 2008

 

Mãe em Dia


Ser esse grande ser igual à luz do dia
Foi sempre esse, mãe, o teu segredo
Ao embalar-me quando eu não dormia
E tinha medo…

Dão-te um dia, para quê, se este dia
Reverte para mim em tal desvelo
Nos teus doces beijos de alegria
Em meu cabelo?…

Eu vou pintar para ti em belas cores
Um dia só, que ainda sou pequeno
Vai ser um dia claro em mês de flores
E sol ameno…

Fernando Castro Martins
Dia da Mãe - 2008


domingo, abril 27, 2008

 

de uma só linha - 18

É dom sonhar acordado; e dor acordar do sonho acordado.


sexta-feira, abril 25, 2008

 

Repartir Abril

Tenho um amigo de sempre com quem janto em todas as noites de 24 de Abril.
A causa que nos reúne em sua casa é o aniversário do seu filho que acontece ser meu afilhado.
Este meu amigo, em quem habita um magnânimo coração de Abril, tem liderado a promoção socio-económica de muitos em instituições de enorme potencial financeiro.
Pela primeira vez, a festiva refeição aconteceu no seu novo andar, confortável mas sem luxos, que acaba de comprar, aos cinquenta e tal anos, com empréstimo bancário.
Ele sempre andou a repartir Abril à sua volta e nunca guardou para si a melhor parte, materialmente dita. E por isso tem muita, mas mesmo muita dignidade.


domingo, abril 20, 2008

 

Cónego Melo


Morreu ontem Monsenhor Cónego Melo. Homem controverso, ele era um ícone de uma certa ideia de Igreja vanguardista e militante que o Concílio Vaticano II deixara para trás.
Foi, contudo, um homem marcantíssimo, a quem se fica a dever um rigoroso registo histórico e jamais a estátua de sete metros que alguns lhe queriam tributar em vida. Pronunciar um sentido descanse em paz diante de quem tanto agiu é a mais cristã das atitudes.

Para que não digam que eu não disse, registo aqui parte do texto com que participei no debate da estátua, dado a lume no Diário do Minho de 31 de Outubro de 2002, página 3. O título, escolhido pelo Exmo Director, Padre João Aguiar a meu pedido, era:
Humilde Sugestão.
...
"Quando os homens se emocionam são capazes de elevar outros homens até à altura das copas das árvores ou de rebaixá-los até às profundezas das raízes daquelas. É a vida. E no entanto, somos todos irmãos.(...)
Todos nós seremos susceptíveis de aceitar elogios desmesurados, presentes generosos ou envenenados; e até os mais conscientes se podem atordoar diante de um discurso inflamado ou de um banquete bem regado.
Geralmente, as homenagens públicas são tão democráticas que revertem a favor de todos: do homenageado e dos outros que se mostram na homenagem. Nem todos os presentes lá estão pelos mais confessáveis motivos e alguns fazem mesmo uma criteriosa gestão da sua presença, procurando contabilizar notoriedade, prestígio ou poder, a seu favor. Pode ser que uma das homenagens posteriores seja em prol de um homenageador de hoje e altamente patrocinada pelo homenageado de agora.
Acontece que certos eventos desta natureza são preparados de tal forma que nem os mais elevados poderes da sociedade podem escapar a dar o seu aval e aprovação, mesmo se detestam a iniciativa. Por isso se encontram sempre nestes acontecimentos as autoridades políticas, religiosas, académicas, militares e todas as outras que possuam sede na área da festa...
Às vezes, fruto da emoção, os homens são levados a estatuar outros homens incomuns numa volumetria incomensurável, decerto para que protejam, da sua alta posição, a restante estatuária da cidade, constituída maioritariamente por modestas imagens da Virgem Maria, de santos e de Papas; ou, noutro registo, para advertir outros homens de que não se atrevam a reproduzir-se na pedra ou no bronze por se encontrarem, à partida, em desvantagem.
Homenagens assim não serão pouco evangélicas, um pouco idolátricas e pouco reflectidas?
(...)
Fernando Martins"


sexta-feira, abril 18, 2008

 

de uma só linha - 17

Não é seguro ser boa ideia expor uma boa ideia.


segunda-feira, abril 14, 2008

 

O Pretérito-Mais-Que-Perfeito

Eu não digo que não mas acho que ele era mais do tipo assim-assim e se se foi foi-se não é coisa de o dizeres agora tão perfeitinho se ele se não pode já defender.


domingo, abril 13, 2008

 

A Sensualidade da Santíssima Virgem

Nunca aquele pastor de almas se sentira tão atribulado. Todos lhe vinham dizer aquilo, nos últimos tempos, mas foi ele mesmo que, agora, fixou os seus olhos em semelhante indecência.
O mal está nos olhos, pensava, sem norte. E não dormia.
De um impulso de fuga, abriu a Sagrada Escritura, que sempre mantinha à cabeceira, e leu: "Se os teus olhos... Arranca-os".
- É metafórico este Jesus, pensou, o que eu quero mesmo é arrancar estas imagens da minha cabeça. Porque é sabido: os olhos vêem uma coisa e, depois, a cabeça vai recriando, recriando...
O escultor teria sido malicioso. E insolente. E subtil. Um pecador de efeitos continuados, diante da omissão de todos, antes, e do gozo de quase todos, depois.
- Só agora reparamos, lamentava-se o velho sacerdote, só agora reparamos, é incrível, mas estão ali, bem desenhados, uns seios, debaixo daquele manto moderno e inadequado de Nossa Senhora. Agora temos esta dupla consumição: o problema do escândalo público... e... Bem, tudo se resume ao escândalo público.


sábado, abril 12, 2008

 

- - - - - - - - - Alegoria das Pedras - - - - - - - - -

I
O Coleccionador de Pedras
Fernão Joane levantara-se cedo nessa manhã fresca de Outono, descera as escadas de madeira que lhe rangeram um cumprimento retributivo ao som dos seus passos e achava-se ali, agora, na ruela sem idade do seu modestíssimo bairro, de cócoras, a dialogar, em cúmplices silêncios, acerca das histórias da vida.
-Vês, ambos nos magoámos! – Pensava, como se falasse com o grão de areia que segurava agora entre o polegar e o indicador, diante dos seus olhos, um nadinha brilhantes. Ambos nos magoámos e agora podemos reconciliar-nos. Sempre que eu te pisava tu ferias-me os pés. Lembras-te? Estes são factos verídicos da nossa relação. Do nosso intercâmbio. Não podes negar, também, que sempre pudeste observar, sem constrangimentos, os segredos da minha vida: amores, desencontros, fraquezas; às vezes algum privado júbilo. É, ou não é verdade?

E fora assim, nesta suplicante ternura, que Joane acabara por recolher cinquenta e uma minúsculas pedrinhas, de tons e consistências diversos, cada qual estivera ali a contribuir, em exclusivo, para o mosaico multifacetado do caminho da sua vida; e as depositara no seu alvo lenço da mão, agora com as pontas unidas em laços leves.

E deste modo recolhera também o próprio Fernão Joane à sua desprovida moradia, com o desígnio de ali instalar primorosamente a sua novel colecção; tendo deixado esta patenteada, para todo o sempre, sobre a colcha em tons de ouro e vinho, uma antiquíssima colcha de família que até então só saíra da arca de carvalho uma vez por ano para ornar a sacada à passagem da procissão do Senhor dos Santos Passos.

E Joane tivera sempre uma aguda percepção de que a vida de cada um é também uma singular procissão dos passos, pelo que, ora lavava as suas preciosas pedrarias com incontidas lágrimas de opostos sentimentos, ora as polia com os seus dedos dançantes, maníacos e felizes.

Podem, pois, entrar neste pequenino mundo. Esta é a esmeralda, este o rubi, aqui temos a pepita, eis a safira…
II
A Selecção das Pedras
O convívio diário com os seus pequenos minerais fez desabrochar em Fernão Joane um amor quase paternal à sua profícua colecção e, a cada manhã que acordava, de novo, para mais uma porção da vida, decidia ficar a conversar, demoradamente, com um número determinado das suas pedras encantadoras.

A uma conversinha superficial e passageira com todas elas, condicionada pelos limites temporais de cada amanhecer, Fernão resolvia deter-se selectivamente em profundas abordagens metafísicas com apenas uma parte dos seus preciosíssimos exemplares geológicos, justificando-se, se interpelado acerca dos seus métodos, que já ancestralmente se sentenciava o magistral aforismo de que quem tudo quer tudo perde; e acrescentava que, adicionando a sua experiência de vida a essa máxima, acabava por abordar o todo tirando partido do seu bom critério e do seu rigoroso agendamento.

Claro que diversos tipos de ciúme iam fazendo o seu caminho entre as belas jóias da coroa preteridas em cada visita, sempre afectiva, de Fernão Joane e havia também outros géneros de sentimento, como o particular sentimento do sólido grão de granito que, sendo do género masculino, ofereceu-se um dia, embora sem sucesso, para uma espécie de liderança do conjunto dos seus pares. E registe-se que a maioria destes – que o uso convencional da língua portuguesa me constrange a tratar no masculino – eram na verdade elas; e repare-se, de novo, na transcendência e nas formas da esmeralda…

Prosseguindo a nossa exposição, dizia eu, então, que o granito, ostentando as suas másculas qualidades e numa bruta batalha pelo poder, quis impor-se como representante permanente do colectivo junto do dono e senhor de todas as pedrarias.

Alegava, aquela rochosa partícula de escassíssimo brilho, que só desse modo o seu senhor poderia abordar todos e todas na sua pessoa de competente quadro intermédio, ainda que, a partir de então, não pudesse mais o coleccionador desfrutar dos prazeres visuais e sensitivos que lhe eram oferecidos, como bênçãos do céu, pelo conjunto daqueles luminosos corpos.

E detendo-me um pouco mais neste capítulo, peço que reparem na granítica estupidez de quem pensa que o gosto, a ponderação e a reflexão podem ser delegados em terceiros em gravíssimo preterimento da dignidade e da integridade de cada ser. Não: cada qual deve afirmar-se na sua individualidade, e dispor de recolhimento para as suas interiorizações e de areópagos para as suas exposições.
III
A Análise das Pedras
Felizmente, Joane, em elementar respeito pela sua pessoa e em magnificente tributo à Humanidade, nunca fechou portas nem janelas a nenhum horizonte de esplendorosas excelências e, dizia sempre: prefiro a selecção pelo método à escolha pela exclusão.

Assim, em pessoa julgada de gostos simples e previsíveis, embora sabidamente criteriosos, era surpreendente que Fernão Joane estivesse àquela hora na sua saleta-das-pedras-preciosas. Surpreendente até ao medo, também ele petrificante, porquanto não havia como provar, sequer, que fosse mesmo Fernão que ali estava; via-se apenas um vulto vaguíssimamente revelado por uma estranha luz, de uma estranha cor, de estranhos reflexos; e o vulto manuseava uns aparentes discos de vidro, que bem podiam ser óculos, lupas, lunetas; ou até, apenas e só, uma ilusão óptica do lusco-fusco; ou, pior ainda, uma visão do meu nebuloso e alucinante pavor.

Fugi dali cobardemente, geladamente, desesperadamente. E não mais abri a boca, antes por medo, agora por vergonha; até que Fernão me abordou, dias depois, com circunstanciada euforia:

- Sabes - disse – tenho analisado as minhas pedras à contra luz e cheguei à conclusão de que elas já não são pedras mas só e apenas um ponto de partida.
Eu fiquei de boca aberta e ele continuou:
- As minhas pedras têm falado comigo.
E eu fiquei com os cabelos em pé.
E ele acrescentou:
- Acho que elas têm vida.
E eu arrepiei-me todo.
E ele concluiu:
- Tenho a certeza de que as minha pedrinhas têm dinossauros dentro.

-Mas…! – Disse eu aterrado, sem perceber o sentido das minhas próprias palavras: não eram elas somente um ponto de partida?

São! – Disse Joane. Tenho pensado muito a partir da observação minuciosa das minhas pedras: as formas, as cores, os pesos.

- Específicos? …Disse eu, lembrando-me vagamente da linguagem técnica das minhas aulas de físico-química.

-Tudo pode ser observado, ponderado, mensurado; proclamou ele, catedraticamente; continuando:
-As minhas pedras, agora, são um ponto de partida. Foram elas que me disseram tudo o que, acerca delas, eu sei. Foi junto delas, também, que eu aprendi a pensar as outras coisas, embora em ponto pequeno, porque elas são pequeninas. Agora temos de partir pedra a partir de pensamentos grandes. Temos de pensar um bocadinho maior. Estás-me a compreender agora?
As minhas pedrinhas abriram-me os olhos.
Tudo nos pode abrir os olhos.
IV
O Jogo das Pedras
Pedras, é um modo de dizer - diz Fernão Joane, que continua:
- Se estas fossem as propriamente ditas poderiam ser pedras de uma intifada ou pedras de um dominó, umas e outras ávidas de jogo, que só pelo jogo se justificam, só a função faz a coisa.

E Joane, explica melhor:
- Nenhuma pedra é pedra de jogo se não joga; nenhuma pedra é pedra-arma, se não voa. Há, reconheço, pedras passivas, as da calçada: dormentes, indolentes, imanentes; e também pedras agressivas, as renais: dolosas, dolorosas, insidiosas; e ainda as pedras obsessivas, domiciliadas em alguns sapatos: desconfiadas, acauteladas, aquarteladas.

Mas não vou ocupar-me das pedras trivialmente assim chamadas, nem da sua família, nuclear ou alargada, com nome apropriado, aproximado, figurado.

As minhas pedras, conclui Fernão, não foram nunca pedras. Nem sólidas são! Nem líquidas! Nem gasosas! As minhas pedras são sonhos, observações, registos; são relações, actos, escolhas; são caminhos, jornadas, aprendências.

É esta a minha colecção de pedras.
Este é o jogo das pedras.
E estas as palavras.

fernando castro martins

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