quarta-feira, dezembro 19, 2007

 

O Natal da Micas Tronchuda

É verdade: A Micas Tronchuda e o Zé Afinador têm hoje, ao redor do seu bacalhau com batatas, nada menos que dez doutores. Parece mesmo um milagre de Natal, mas eu inclino-me mais para considerar que houve ali, sim, um grande milagre de trabalho.
Maria e José encontraram-se pela primeira vez aí pelos doze anos, quando labutavam já, na fábrica têxtil, umas quarenta e oito horas por semana, levando, em cada sábado, oitenta e quatro escudos para casa.
Casaram aos vinte, ele mais, ela menos uns meses. Tiveram cinco filhos - três raparigas e dois rapazes - e obstinaram-se em que estes fossem mais felizes que eles: puseram-nos todos a estudar, uns para lá do trabalho operário, outros biscatando por algum nas férias e nos feriados para, em parte, se auto financiarem.
Hoje, contando com os seus filhos, filhas, namorados, genros e noras, estão ali, na mesa natalícia, dez jovens licenciados: uns que contam com uns trabalhinhos ocasionais a recibos verdes; outros laborando por um salariozinho em caixas de supermercado; outros que estão ocupados a trabalhar no seus estágios sem remuneração e sem futuro (absolutamente imunes ao materialismo!); outros ainda que se encontram livres como passarinhos, no desemprego, sem subsídio e com uns lindos horizontes. . .
José e Maria estão de tal modo embevecidos diante de tão letrada mesa de Natal que nem vêem o grande presente que ali têm para desembrulhar.

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