quarta-feira, setembro 26, 2007

 

Esmeralda

Esmeralda - uma menina - é retirada pelo tribunal aos pais adoptivos que a amam, e entregue ao pai biológico que, por certo, também a ama. Com tanto amor disponível, a criança deveria ser beneficiária de imenso conforto e bem-estar. Não é. Sofre a menina e sofrem todos os crescidos enredados no caso.
Os pais de facto, têm melhores condições para criar a menina com a qual, ademais, têm uma relação de estável parentalidade; e o pai de sangue, é pai. Caso difícil, este, em que o tribunal, não tendo exercitado o teste de Salomão, antes do veredicto; e constrangido como está a obedecer à letra da lei, desfere um terrível golpe na paternidade real em prol do progenitor legal.
Mas, como ninguém pode sair vencedor desta porfia, pelo prosaico facto de a Esmeralda não ser uma taça; o melhor seria que, uns e outros, meditassem num sublime texto de Khalil Gibran, chamado "Das Crianças". Diz assim: "Os vossos filhos não são vossos filhos; eles vêm por meio de vós mas não de vós; e, apesar de estarem convosco, não vos pertencem" (...)
Deste modo, talvez aqueles três pais pudessem realizar os deveres da paternidade em conjunto; em colaboração, paz e harmonia. Haja sugestões criativas para o fazerem. A começar pelo tribunal, e pela Comissão de Protecção de Menores.


terça-feira, setembro 25, 2007

 

Lavrar o Mar

Este é o título do último livro de Daniel Sampaio que só agora tive oportunidade de comprar e ler. A sensação que me ficou é a de que ele não aborda ali as minhas questões de pai nem os meus problemas de família, sendo que é de pais e filhos que ali se trata. Ainda bem, que não sofro daqueles males; ainda mal, que não sara os males que são meus. Mas há ali afirmações que todos os pais deveriam encaixilhar, como esta:

- "Embora a influência sobre o comportamento dos jovens seja muito diversificada (amigos, internet, professores, figuras públicas...), nas questões essenciais relacionadas com os valores e os juízos morais é quase sempre a educação dada pelos pais que prevalece"( pág. 78).

Concordo e acho, também, que os pais têm, em boa medida, razões para se queixar de si próprios em lugar de imputar responsabilidades a terceiros acerca de certos filiais comportamentos. Sampaio, diz ainda, após ver um rapaz no seu consultório psiquiátrico:

- "a dúvida que me ficou é por que razão esta família teve de recorrer a um técnico, quando uma simples noite de conversa resolveria a questão..." (pág. 96).

Eloquente, evidente, clarividente.
Li já quase tudo o que é de Daniel Sampaio: "Inventem-se Novos Pais", "A Arte da Fuga", "Lições de Abismo", "Tudo o Que Temos Cá Dentro"; agora "Lavrar o Mar". É um vício. Também me não escapam as suas crónicas semanais no Público. Decerto que tenho de parar um pouquinho para interiorizar melhor "o que já cá tenho dentro" em lugar de tanta "arte da fuga" para a frente, para que reinvente um "novo pai" dentro de mim.


quarta-feira, setembro 19, 2007

 

Aquilino

Aquilino foi para o Panteão e parece-me bem o facto e a data escolhida, o início das aulas; para que as escolas possam dar mais atenção a este que é um dos primeiríssimos escritores portugueses do século vinte e de todos os tempos.
Eu tenho na minha estante, e bem lidas, três das suas obras: O Malhadinhas, A Casa Grande de Romarigães e o Romance da Raposa. Empresto-as a quem anda por aí a desculpar-se de que não lê porque os livros custam dinheiro.
É grátis e dá cultura! Qual é, agora, a desculpa?


domingo, setembro 16, 2007

 

À Mãe-Leitora-de-Poemas


Ó mãezinha diz-me o que
Diz aí se não não como
Que não sou de amor
Por favas!...

Que eu quero o etéreo
Teu bulir de brisa
Mais que a camisa
Que me lavas!...

E serve-me desse gosto
Tão sublime e são;

E dá-me som e sentido
Que é sonho e pão!...

fernando martins

 

Os Despresos

Acabam de sair da gaiola 115 pássaros suspeitos de crimes de violação, homicídio, roubos com violência e graves maus-tratos. Tudo isto com base na nova lei penal que reduz a prisão preventiva; um princípio justo em perplexíssimos efeitos; pelo que não há leis plenamente equitativas e estes presos são agora todos despresos, ainda que, no futuro e deste modo, se limite, incomensuravelmente, a possibilidade de haver presos e despresos inocentes.


sábado, setembro 15, 2007

 

Dois Prefeitos


Em que perfeita solidariedade
Dois prefeitos governam um convento
Um sofre de pus ilanimidade
E o segundo de temperamento...

E deste altruísmo sem lamento
Apesar de tanta precariedade
Se constitui parelha de talento
Exemplo de colegialidade...

Se um diz ai, o outro faz que dói
E diz-se até, decerto em boa fé,
Que são já dois em uma alma só...

Vejam só a ventura que ali vai
Numa bicefalia em tetra pé
Gerindo a sua dança em sol-e-dó.

fernando martins


sexta-feira, setembro 14, 2007

 

Reconsideração


Eu reflecti, no bosque, e assim me pareceu:
- É grande negócio! E eu não posso perdê-lo;
Tudo isto é meu! É meu! Por isso vou fazê-lo;
Um grande casarão que chegue até ao céu...

Mas um pequeno bicho, ali, me enterneceu.
Tinha as pernitas da grossura dum cabelo;
E pensei: Talvez eu não possa merecê-lo;
É possível ser ele, até, melhor que eu...

E entendi por bem ser ele a ter-me a mim,
Já decidido a proteger o seu terreno,
Para deixá-lo vaguear, tão livre assim...

É pois sua casa, precisa estar sereno,
Não vou matar, ferir, ou proceder, enfim,
De modo embaraçoso à paz deste pequeno.

fernando martins


quinta-feira, setembro 13, 2007

 

A Inspiração da Sanita

É verdade! Às vezes sento-me na sanita e sai um poema.
E sai por cima, quando puxo para baixo. É assim a poesia. Sempre inesperada.

 

Da Vinha e do Vinho


- Pai, o que é uma ramada?


- É uma pérgula de arte
De parra esperança
De verde encarnado...

- E o que é podar e sulfatar?

- É suor e afecto
Cirurgia e cura
Xarope de chuva...

- E o que é um cacho de uvas?

- É uma glicínia roxa
De aroma fino
De porto tinto...

- E pisadas, pai, o que são?

- São pernas desnudas
Marchando rosadas
Em banhos de espuma...

- Fala-me, então de um lagar, pai...

- É fresco, fervente
Doce, atrevido
Gemendo sorrisos...

- Descreve-me uma pipa, paizinho...

- É arco, aduela
Bojudo corpinho
De sangue divino...

- Estás muito cerimonioso, papá...

- Com toalha de linho
Taças de brinde
Graal de Cristo...

- Percebeste,
filho?

- Acho que bebeste,
pai.

fernando martins


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