terça-feira, dezembro 23, 2008

 

O Natal da Minha Biblioteca - 24


"Foi numa noite de Natal que aquilo aconteceu. O irmão, a cunhada e os sobrinhos acabavam de sair - ainda se ouvia chiar o carro na curva da estrada - e Emília, depois de pôr no presépio um último olhar distraído, encostou-se à vidraça a ver a noite. Era uma noite funda e enorme de descampado, sem luar e toda redonda de estrelas. Ao longe, o sino da igreja da aldeia soltou um toque leve e risonho de festa, que rompeu o silêncio. Da cozinha, onde lavava os copos do vinho doce, veio a voz monótona e cansada de Dores:
- O João já não apanha o princípio da missa.
Emília estremeceu. Quis responder à mãe, dizer o que quer que fosse, mas o silêncio da noite tinha-a envolvido toda e não conseguiu articular um som. Também não podia pensar. Era como se se tivesse dissolvido naquela atmosfera calma e deixado por completo de existir. Depois a mãe tossiu e ela lembrou-se de repente de que já ali não estava para outro Natal. Sorriu contente à imagem de Joaquim. O que estaria ele a fazer naquele momento, lá longe, perdido na cidade, sem família, sem amigos, sem ela... Na última carta parecera-lhe desanimado, mais ainda do que nas outras".

(De "Noite de Natal", de Maria Judite de Carvalho, 1921-1998)

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