terça-feira, dezembro 02, 2008

 

O Natal da Minha Biblioteca -3


"Corria a noite de 24 de Dezembro, e dez horas acabavam de soar na freguesia de uma aldeia da província do Minho.

Era uma dessas noites como as produz Dezembro nas províncias do norte de Portugal; serena, mas fria de regelar: a geada caía a flocos em abundância.
(...) Entre nós, gente da corte, dez horas é apenas o começo da noite: é a hora de dar entrada num baile, é a hora em que um peralta vai para o teatro; é a hora em que se faz a abertura de um sarau, segundo as prescrições do código do bom-tom; é, enfim, a hora destinada, nos ritos da tafularia, para se começar tudo o que respeita ao mundo elegante, depois que o Sol deixa do nos alumiar. Mas, no campo, dez horas é uma hora adiantada: é a hora em que um honrado e positivo lavrador tem já dormido o seu sono, e muito bem estirado; porque os habitantes do campo como lapónios e pouco ilustrados que são - coitados! - preferem a luz de um belo sol, que lhes alumie e lhes dê vigor e energia, à luz artificial de alguns resplandecentes lustres de gás; e por isso se deitam ao anoitecer, e erguem-se com a aurora, gozando do inexplicável espectáculo do acordar da natureza. São gostos.
(...) No campo, como ia-mos dizendo, dez horas, que são horas de tudo jazer já adormecido, nessa noite, porém, parecia ter excepção, a atender bem na nossa aldeia, por cujas fisgas das portas e janelas de algumas habitações, bruxuleavam luzes, como pirilampos fulgurando num brejo, ouvindo-se, interrompido e intermitente de vez em quando, o roído confuso de um vozear alegre, como cantares, ao que parece, de gente que folgava.
E folgava, sim; porque esta era uma das noites de excepção por excelência para aquelas boas gentes. Esta era a noite de 24 de Dezembro, era véspera do dia de Natal, em que tudo na província folga, risonha, tange, canta, come e bebe, já se sabe, devotamente, depois de ter ido ouvir a missa do galo".

(De "A Noite de Natal", de José Maria de Andrade Ferreira, 1823 - 1875)

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